

Quando um filme começa com uma perseguição nas sombras da fé e termina com um confronto direto com o passado, sabemos que ele quer mais do que entreter. Revelações, o novo suspense sul-coreano da Netflix, não entrega respostas fáceis. Em vez disso, nos obriga a encarar o peso da culpa, a fragilidade da redenção e a linha tênue entre fé e obsessão.
O longa propõe mais do que um quebra-cabeça criminal, construindo seus personagens a partir de traumas enraizados, feridas abertas e uma busca desesperada por sentido. E embora o desaparecimento de uma menina seja o ponto de partida da história, é o passado mal resolvido dos protagonistas que realmente dita o rumo dos acontecimentos.


O desaparecimento de A-yeong
O desaparecimento da jovem A-yeong serve como o catalisador dos acontecimentos do filme. Vemos a menina a caminho da igreja, seguida por Yang-rae, um ex-detento acolhido pelo pastor Min-chan. Após o culto, ela some, e o pastor acredita ter recebido um sinal divino de que Yang-rae é o responsável e que ele deve buscar justiça. Movido por essa suposta revelação, Min-chan inicia uma caçada obsessiva.
A confusão aumenta quando ele descobre que seu filho, inicialmente dado como desaparecido, está na verdade são e salvo. A criança sequestrada é A-yeong, mas a obsessão de Min-chan já causou estragos.
Inicialmente acolhedor, o pastor se transforma ao suspeitar do novo membro da igreja. Ao segui-lo até a floresta, Min-chan protagoniza um momento-chave do filme quando, após uma briga, empurra Yang-rae de um penhasco. Essa atitude, segundo ele, foi motivada por um “sinal divino” visto em uma montanha próxima.
É Yeon-hee, a detetive responsável pelo caso, quem começa a montar as peças. Assombrada por visões de sua irmã mais nova — que morreu após um sequestro traumático cometido por Yang-rae —, ela enxerga no caso de A-yeong uma chance de reparar aquilo que ficou pendente em seu passado.
Quando a detetiva encontra a garota desaparecida viva, prestes a ser soterrada em um edifício que vai ser demolido, o sentimento não é apenas de dever cumprido, mas de redenção pessoal.


Yang-rae: vilão ou produto do passado?
Aos olhos do público, Yang-rae é apresentado como o vilão desde o início. Mas à medida que a história avança, o longa revela camadas que complicam essa visão. Seu passado é marcado por abusos extremos cometidos pelo pai, enquanto a mãe, passiva, apenas cantava hinos do lado de fora do quarto. Esse trauma moldou sua visão distorcida de mundo e explica sua fixação pelo chamado “Monstro de Um Olho Só”.
Esse “monstro” aparece primeiro como um desenho grotesco no apartamento de Yang-rae. Depois, torna-se peça-chave da investigação. A metáfora ganha forma real quando Yeon-hee descobre que a figura representa casas com uma janela circular, como a que abrigava o sofrimento do jovem no passado — e onde A-yeong estava presa.
O longa levanta uma questão incômoda: alguém como Yang-rae pode ser perdoado? Min-chan enxerga apenas o pecado e quer exterminá-lo. Já Yeon-hee, embora marcada pela dor, aprende a enxergar a complexidade de quem ele é. A resposta nunca é dada com clareza e o filme se encerra deixando que cada espectador forme seu próprio julgamento.
No final, o pastor é preso após tentativas de assassinato e omissão de socorro. Sua defesa se baseia nos “sinais” que diz ter recebido, mas a psiquiatra de Yang-rae levanta outra hipótese: o pastor sofre de apofenia, uma condição em que a mente identifica padrões e mensagens onde não existem. Ou seja, suas visões seriam delírios interpretados como ordens divinas.
Essa revelação abala ainda mais a fé de quem o seguiu. Principalmente quando, já na prisão, Min-chan encontra outro “sinal” na parede. A sugestão final do filme é que ele pode nunca ter sido um líder espiritual, mas sim alguém quebrado e em fuga da própria frustração — incluindo a traição da esposa e o fracasso como pai.
Revelações está disponível na Netflix.
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